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Com a série Criaturas, Lucia Costa realiza de forma inaugural em seu percurso artístico uma abertura para a dimensão da interioridade, sem deixar, com isso, de abordá-la a partir de denominadores que acompanham sua trajetória de experimentação visual da paisagem e arquitetura urbana. Seu eixo de trabalho dedicado à observação e fotografia de fachadas e coberturas que são posteriormente elaboradas pictoricamente em propostas cromáticas singulares, já trazia em seu cerne a importância da memória, da perspectiva e percepção espacial, o que particulariza o gesto poético da artista sobre o espaço físico, garantindo a ele contornos próprios a partir da dimensão poética que a acompanha.

Nessa exposição, desloca-se o olhar de esquadrinhamento e reorganização do mundo externo em linhas, formas e cores para o domínio da interioridade, buscando conformar em distintas linguagens artísticas os afetos diversos e extremos que nos constituem, a singular expressão plástica de cada um deles compõe o que Lucia denomina Criaturas. Criadas a partir da união de distintos recortes de moldes de roupas, as criaturas ao mesmo tempo que têm em sua origem uma modulação geométrica específica, encontram na poética da artista seus adversos formatos, que remetem ao singular estranhamento que cada um de nós resguarda em relação aos próprios sentimentos. A artista parece com as suas criaturas deflagrar ao expectador o aspecto disforme e complexo que assumem as emoções extremas mais internas que nos constituem, e que ao mesmo tempo nos assustam, fazendo- os reféns de suas próprias vontades.

Desprovidas de humanidade, as criaturas são ao mesmo tempo referidas aos sujeitos por elas afetados, enquanto guardam em si uma autonomia, pois já não se prendem mais ao corpo humano e não são por ele adestradas. Nas obras de Lucia Costa, em sua potência própria de proliferação, as Criaturas evadem as caixas que as restringem e assumem, em sua virtualidade própria, formas específicas através de esculturas, instalações, fotografias e desenhos que compõem a atual exposição. Exercitando esses diferentes suportes de conformação das Criaturas, a artista parece nos colocar em contato investigativo com nossas próprias emoções e com as formas possíveis que elas assumem; ao mesmo tempo, há um jogo de velamento no trabalho, que não permite o acesso direto a forma das Criaturas visto que, assim como as emoções, elas só se acessam em uma potência de virtualidade sobre a qual não temos claro domínio. Povoando os cantos, as paredes, ou o teto, as Criaturas exibem a interioridade em seu aspecto externalizado, confundindo o domínio da intimidade e do espaço alheio, o corpo, que já não mais domina-as, torna-se elemento componente da paisagem e a interioridade é então espacializada de forma a mostrar que, independente das linhas que recortam e arquitetam o espaço, as criaturas o povoam em virtualidade, recusando uma perspectiva clara de enclausuramento para, em suas singulares e sinuosas formas, avivar o que nos aflige e demanda compartilhamento com os outros. Nessa exposição da interioridade a aposta é que essas emoções que nos mobilizam e comovem possam, através da poética de Lucia Costa, circular pelo mundo.

Lucas Alberto
Doutorando no PPGCA-UFF
Artista Visual e Pesquisador

 

As séries Fachadas Coloridas e Tons de Azul, são desdobramentos da pesquisa poética de Lúcia Costa entre fotografia, arquitetura e pintura, investigação que toma linha de frente na produção da artista desde 2013.

Nessa proposta entre diferentes meios, Lúcia trabalha o deslocamento do olhar e a transformação do espaço  através da cor. Ambas as séries partilham um processo criativo semelhante, Fachadas Coloridas foi criada especialmente para a Feira "Artigo Rio" em 2014 e trata-se de fachadas da arquitetura urbana de Manhattan, NY, capturadas pela lente fotográfica e ressignificadas nas pinturas da artista; e Tons de Azul parte de fotografias de coberturas de prédios da vizinhança da artista, posteriormente reorganizadas em pinturas de composições cromáticas.

Mediante a ação poética de Lúcia Costa, em Tons de Azul, pintura da série que consagrou a artista como a primeira artista brasileira finalista do "Luxembourg Art Prize" em 2018, partes superiores de diferentes construções, passam de um lugar de cotidiana invisibilidade e irrelevância, para um espaço colorido criativo que chama a atenção do olhar; já em Fachadas Coloridas, construções da metrópole nova-iorquina tem seu caráter sóbrio e imponente transfigurado em fachadas coloridas acolhedoras e simpáticas.

Trata-se nessas propostas, além da transformação do espaço, de um deslocamento de olhares, Lúcia ressignifica as paisagens solitárias que ocupam seu olhar, em espaços convidativos, propulsores de afetos e afinidades coloridas, cenas antes ordinárias ao olhar, ao passarem pela poética de Lúcia, passam a capturar a vista de distintos espectadores. Por fim, a força operada pela artista na transformação do mundo é tarefa crítica, através dela faz-se emergir no espaço afetos escondidos, memórias e afinidades apagadas, revelando entre espaço e cor, interessante lugar para habitarmos o mundo.

Lucas Alberto

Artista visual e Pesquisador

março/2019

The series Colorful Façades and Shades of Blue are deployments of the poetic research developed by Lúcia Costa through photography, architecture and painting, an investigation that is the front line in her artwork since 2013.

 

In that proposition among different media, Lúcia works perspective displacement and spatial transformation through color. Both series share similar creative processes, Colorful Façades was created especially for the “Artigo Rio” Fair in 2014 and is composed of Manhattan – NY urban architecture façades captured by the artist’s photo lenses and then reframed into her paintings; and Shades of Blue starts from photos of building roofops in her neighborhood, which are later reorganized in paintings and chromatic compositions.

 

Through the poetic action of Lúcia Costa, in Shades of Blue, painting in the series that established her as the first Brazilian artist finalist in the “Luxembourg Art Prize” in 2018, upper parts of different constructions, go from a place of quotidian invisibility and irrelevance to a creative colorful space that catches the eye; in Façades, however, New York metropolis buildings have their sober and imposing character transfigured in cozy and pleasant colorful façades.

 

In such propositions, besides the transformation of the space, there is also a displacement of perspective, Lucia repurposes lonely landscapes that occupy the view, into inviting spaces which propel colorful affections and affinities, sceneries once ordinary to perception, afer going through Lucia’s poetics, begin to catch the eye of different observers. Finally, the force operated by the artist in the transformation of the world is a criticism task, through it we emerge in a space of hidden affections, memories and faded affinities, revealing between space and color an interesting place for us to dwell in the world.

Lucas Alberto

March/2019

A razão,

a intuição,

a superfície,

e o desenho…

 

Nos espaços já super ocupados, nas imagens que inundam a visão do homem contemporâneo, a artista se detém na colagem como meio de transformar, manipular o já existente.

A colagem foi utilizada pelos modernos e chama atenção para o fato de que inserir algo do mundo na pintura, colando recortes ou até mesmo objetos na tela, leva o artista a interferir no tempo e no espaço, trazendo algo do momento vivido, recriando a arte. A Arte Moderna passou a absorver objetos do mundo para fazer parte deste.

Em seu processo criativo, Lúcia esvazia as imagens de seus significados ao manipulá-las digitalmente e, ao tentar relocá-las no mundo se importa em deixar dúvidas quanto ao procedimento do trabalho: colagem, serigrafia, fotografia?

Interessa pensar a imagem, exteriorizá-la a partir de uma compulsão de manipulações (do latim manipulare: preparar com a mão, imprimir forma a alguma coisa com a mão, controlar...), não deixar pistas, emendas, mas imagens únicas num contexto de incertezas, de possibilidades infinitas do mundo contemporâneo.

Tendo o desenho como guia na montagem das imagens, ora geométricos, quando digitalmente trabalhado; ora com o lápis na mão, interferindo diretamente em fotografias digitalizadas, "porque o desenho pode ir além dele" (palavras da artista) - expõe pensamentos complexos, aqueles que não conseguimos verbalizar.

Nas colagens digitais, a ferramenta (o computador) não necessita mais da mão que cola sobre papel, apenas de toques com a ponta dos dedos sobre teclas para transformar imagens em imagem, uma única superfície, pois as camadas das colagens se dissolvem, desaparecendo. Afinal, a ilusão é o real.

Célia Cotrim

julho/2010

The reason,

the intuition

the surface,

And the drawing…

 

In overcrowded spaces, in images that flood the sight of the contemporary man, the artist reposes in collage as a mean to transform, manipulate what already exists.

 

Collage has been used by modern artists to call the attention to the fact that inserting something in the world of painting, pasting snips or even objects on canvas, allows the artist to interfere in time and space, bringing a memento of an experienced moment, recreating art, Modern Art then started absorbing objects from the world to be part of it.

 

In her creative process, Lúcia strips images from their meanings when she digitally manipulates them and, when she tries to reallocate them in the world; she deliberately leaves doubts regarding the work procedure: collage, serigraphy, photography?

 

It is interesting to think the image, to exteriorize it from a compulsion of manipulations (from Latin manipulare: to prepare by hand, to shape something using your hands, to control…), not leaving any tracks, joints, but single images in a context of uncertainty, of infinite possibilities in the contemporary world.

 

Having drawings as an assembly guide for the images, sometimes geometric, when working digitally; sometimes using pencil, directly interfering in digital photographs, "because drawing can go beyond itself." (says the artist) - She exposes complex thoughts, those we cannot verbalize.

 

In digital collages, the tool (the computer) is nothing more than a hand pasting on paper, no more than touches by fingertips on keys to transform the images in an image, a single surface, because the layers of the collage dissolve, disappearing. Then, the illusion is the reality.

 

Célia Cotrim

July/2010

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